Um casal é vítima de um acidente de trânsito. As filhas, surpreendidas pela morte dos pais, são deixadas em pleno desamparo. Dependem por anos da caridade alheia até o Poder Judiciário determinar o pagamento da pensão alimentícia pela empresa que ocasionou o acidente.
O tempo passa e a verba alimentar jamais é paga, transformando-se em uma dívida vultuosa. Todos os meios executórios são tentados e, um a um, frustrados pelo executado. Depois de anos, finalmente é penhorado um imóvel livre e desembaraçado.
Entretanto, às vésperas do leilão, o executado alega a impenhorabilidade do imóvel, que diz ser bem de família. Afirma, ainda, que o art. 3º, III, da lei n. 8.009/90 refere-se apenas a verbas oriundas de relações familiares, e não de atos ilícitos.
Foi diante desse cenário que a Terceira Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou provimento ao recurso do executado, firmando o entendimento de que, para que seja aplicado o art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90, é irrelevante a origem da obrigação alimentícia – se familiar ou decorrente de indenização por ato ilícito. O acórdão ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR ATO ILÍCITO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. COBRANÇA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. SUSCITADA A IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. INSUBSISTÊNCIA. PROTEÇÃO NÃO OPONÍVEL AO CREDOR DE VERBA ALIMENTAR. ORIGEM DO DÉBITO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 3º, III, DA LEI N.º 8.009/90. PRECEDENTES DESTA CORTE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. “O comando do artigo 3º, III, da Lei nº 8.009/90,excepcionando a regra geral da impenhorabilidade do bem de família, também se aplica aos casos de pensão alimentícia de corrente de ato ilícito – acidente de trânsito em que veio a falecer o esposo da autora -, e não apenas àquelas obrigações pautadas na solidariedade familiar, solução que mostra mais consentânea com o sentido teleológico da norma, por não se poder admitir a proteção do imóvel do devedor quando, no pólo oposto, o interesse jurídico a ser tutelado for a própria vida da credora, em função da necessidade dos alimentos para a sua subsistência” (REsp 437.144/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO,TERCEIRA TURMA, julgado em 07/10/2003, DJ 10/11/2003, p. 186).
A decisão unânime é um demonstrativo do entendimento adotado pela jurisprudência catarinense, que defende as opções legislativas fixadas na Lei de Bens de Família e preocupa-se em garantir o pagamento de alimentos mesmo que o bem penhorado seja destinado à habitação da parte que está em débito.
Isso ressalta a adaptação dos instrumentos processuais para atenderem às urgências no recebimento de verbas destinadas à subsistência. Assim, a garantia que visa coibir a miserabilidade na vida do devedor tem de ser desconsiderada quando este deixa de pagar o que é devido àqueles que, em caso de inadimplemento, também serão levados à miséria.