O advogado como parte na ação rescisória que discute honorários sucumbenciais: reflexos do CPC de 2015

Por Pedro Henrique Reschke, Advogado e Professor do CESUSC

I – Introdução

O CPC de 2015 trouxe grandes mudanças na busca por celeridade, segurança jurídica e previsibilidade do sistema jurídico; algumas das mais relevantes estão no art. 85, que, em seus dezoito parágrafos, positivou e organizou muitas disposições sobre os honorários de sucumbência.

O objetivo deste artigo é analisar as consequências desta regulamentação sobre a legitimação ativa e passiva do advogado na ação rescisória que, direta ou indiretamente, discuta os honorários de sucumbência. Para tanto, inicialmente se faz uma exposição de algumas premissas sobre a ação rescisória, especialmente sobre seu cabimento e legitimidade; a seguir, trabalha-se o problema dos honorários advocatícios, especialmente em relação aos diversos entendimentos sobre sua natureza jurídica e titularidade, dando destaque ao texto do CPC de 2015; e, ao final, discute-se as consequências das disposições do novo texto legislativo sobre a legitimidade do advogado para figurar como parte em ação rescisória que discuta honorários advocatícios.

Procura-se, com isso, estudar não só “como ficou” o tema no CPC de 2015, mas também analisar entendimentos anteriores para tentar compreender o impacto da nova norma sobre o assunto.

II – Legitimidade ativa na ação rescisória

A ação rescisória é julgamento de julgamento, processo cujo objeto “é a própria sentença rescindenda”[1]. Visa desconstituir a decisão de mérito que transitou em julgado formada com algum dos vícios previstos em lei. Ao julgar a ação rescisória, o órgão jurisdicional não só rescindirá o provimento jurisdicional anterior, como também proferirá decisão que a substituirá – por isso, é essencial que o autor da rescisória realize (e fundamente) não só pedido de rescisão, mas também pedido de novo julgamento.

Trata-se de ferramenta distinta dos meios recursais, pois atua posteriormente à formação da coisa julgada e tem hipóteses de cabimento muito limitadas, enumeradas restritivamente na legislação processual (tanto no CPC de 1973 quanto no de 2015). Essa é a excepcionalidade da rescisória, que do contrário representaria uma mácula muito grande ao instituto da coisa julgada, essencial para a segurança jurídica dos cidadãos e para a confiança no Poder Judiciário. Quer dizer, a sentença não se torna rescindível simplesmente por ser injusta[2].

Especialmente comum é a ação rescisória que visa rescindir decisão ilegal ou inconstitucional proposta com base no art. 485, V, do CPC de 1973[3]. A redação do dispositivo não implica dizer que a sentença só é rescindível se violar o texto da lei ou Constituição, até porque já há muito tempo se sabe que texto e norma não são sinônimos, e que um não pode existir sem o outro – ironicamente, houve uma superação da literalidade do art. 485, V, do CPC de 1973. Sérgio Gilberto Porto, ainda antes de se falar em anteprojeto do dito “novo CPC”, já defendia a utilização da ação rescisória como instrumento de defesa da ordem jurídica, não apenas da letra fria da lei, entendendo-a cabível também quando a decisão violasse princípio não escrito, no que o autor chama de rescisão atípica[4]. O CPC de 2015 dá um passo importante no sentido de apagar a violação à “literalidade da lei” como requisito para a rescisão, substituindo este requisito pela “violação manifesta de norma jurídica[5]. Não significa uma abertura para a rescisão em qualquer hipótese, mas permite uma leitura muito mais aberta das hipóteses de rescisória do que o texto anterior, sem que isso retire a excepcionalidade do instituto ou o transforme em sucedâneo recursal.

São legitimados para figurar no polo ativo e passivo da ação rescisória todos os que tiverem interesse jurídico na decisão rescindenda – incluindo, por óbvio, as partes do processo original, mas não apenas elas; também podem litigar na rescisória os terceiros juridicamente interessados, incluindo aqueles que deveriam ter participado da lide originária mas não o fizeram, e o Ministério Público, quando deixa de ser ouvido em situação que a lei o exige, ou se a decisão foi proferida por fraude ou conluio entre as partes. Consequência lógica é que, salvo o parquet, todas as figuras que o CPC elege como legitimadas para serem partes na ação rescisória são aquelas cujos interesses jurídicos particulares estarão em jogo se houver rescisão[6]. Para verificar se determinada pessoa pode ou não figurar numa ação rescisória, portanto, basta analisar a convergência de seus interesses de direito material com a matéria da decisão atacada. A depender dos interesses que estão em jogo, formam-se litisconsórcios, possivelmente de caráter necessário.

Assim, para investigar a legitimação ativa e passiva do advogado na ação rescisória que discute os honorários de sucumbência, torna-se essencial descobrir qual o nível de interesse jurídico do profissional na decisão rescindenda – ou seja, é preciso estudar a fundo a questão da titularidade dos honorários advocatícios, cujas consequências jurídicas ainda geram muita perplexidade.

III – Natureza e titularidade dos honorários advocatícios no CPC de 2015.

O art. 85 do CPC de 2015 definiu com clareza que os honorários de sucumbência são direito do advogado, autônomo ao da parte, devidos pelo perdedor em favor do patrono do vencedor, de acordo com o nível de dedicação do profissional, a dificuldade da causa e demais critérios legais. São autônomos aos honorários contratuais, e com eles não se confundem. Sua natureza é tão somente alimentar e remuneratória do advogado[7]. Não se trata de inovação legislativa, pois essa ideia surgiu de longas evoluções históricas sobre o instituto dos honorários de sucumbência; o CPC de 2015 só faz esclarecer a norma que já constava do Estatuto da Advocacia de 1994[8].

Por muito tempo, os honorários de sucumbência eram tidos como direito pertencentes à parte, não ao advogado; tinham função reparatória – o derrotado devia arcar com todas as custas do processo, incluindo os gastos que o vencedor teve com os honorários contratuais de seu advogado, uma forma de evitar que a parte com razão tivesse qualquer redução patrimonial. Paulo Polly Nepomuceno, em 1972, afirmava que os honorários deveriam ser entendidos como “reparação imprescindível do patrimônio deste [o vencedor], lesado por ato daquele [o vencido][9]. Sobre a possibilidade do advogado receber concomitantemente os honorários sucumbenciais e contratuais, dizia que “tal procedimento consistiria, por certo, em exceção entre os componentes da nobre classe profissional e, eivado de ilicitude, passível de reparo”[10].

Pontes de Miranda, em seus Comentários ao CPC de 1973, divide em três fases a evolução histórica da titularidade dos honorários advocatícios. Primeiro, o CPC de 1939, em que os honorários tinham caráter de castigo ao réu que agiu com dolo ou culpa; em seguida, a Lei n. 4.632/65, que modificou o CPC para determinar que os honorários fossem pagos pela parte vencida; e, finalmente, “o art. 20 [do CPC de 1973] fundiu as duas regras jurídicas, acertadamente, e estatui que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que esse antecipou e os honorários advocatícios”[11]. Anterior ao Estatuto da Advocacia, o texto de Pontes de Miranda ainda fala nos honorários de sucumbência como “reembolso” das despesas da parte vencedora, embora já reconheça alguma autonomia entre os honorários definidos pelo juiz e aqueles ajustados contratualmente entre advogado e parte, cujo valor “resulta do contrato e da maneira como o advogado se portou na execução do mandato”[12].

O art. 20 do CPC de 1973 dizia com todas as letras que os honorários seriam pagos pelo vencido ao vencedor. Incidia em contradição com o antigo Estatuto da Advocacia (Lei 4.215 de 1963), cujo art. 99 havia reconhecido, pela primeira vez, o direito autônomo do advogado para cobrar os honorários. Mais tarde, continuou a entrar em conflito com o Estatuto mais recente (Lei 8.906/94), cujo art. 23 diz de forma expressa que os honorários pertencem ao advogado. Por todo o tempo em que esteve em vigor, portanto, o CPC de 1973 trouxe previsão exatamente contrária à do Estatuto da Advocacia. A falta de clareza na legislação gerou grande confusão para os juristas brasileiros, que tentaram da melhor maneira possível explicar a convivência entre leis escancaradamente contraditórias[13].

Algumas das teorias mais aceitas diziam que se estava diante de uma cessão de crédito ope legis do vencedor em favor do seu advogado; outras afirmavam tratar-se de uma traslatio, substituição do polo passivo da obrigação à vista do fato de ser o vencedor, ao mesmo tempo, credor do vencido e devedor de seu advogado. O Estatuto, assim, estaria propondo apenas uma substituição do polo ativo da obrigação, não uma modificação da titularidade do direito de crédito[14]. Essas teorias colocavam o advogado numa posição muito desvantajosa dentro do processo, pois seu direito era tão somente de executar os valores, não de discutir, como parte, o mérito da condenação em honorários[15].

Assim, subsistiu no imaginário jurídico brasileiro a ideia de que os honorários de sucumbência poderiam ser de titularidade do advogado, ao mesmo tempo em que servem para reembolsar a parte – como se pudessem pertencer ao advogado e à parte ao mesmo tempo. Quer dizer, a mudança trazida pelo Estatuto da Advocacia de 1994 acabou relativizada por parcela considerável da doutrina e da jurisprudência; mesmo assim, representou um grande avanço para a classe dos advogados em relação à previsão original do CPC de 1973.

Nesse sentido, é muito bem vinda a mudança trazida pelo CPC de 2015. O caput  do art. 85 não deixa dúvida ao dizer que o vencido pagará honorários ao advogado do vencedor. Ponto. Diante desta colocação, não há como subsistir a ideia de honorários de sucumbência como reembolso; passaram a servir para remunerar o trabalho do causídico vencedor (adquirindo, assim, natureza alimentícia[16]) como já deveria ser pelo menos desde 1994, se não antes. Claro, advogado e parte podem ajustar, contratualmente, a compensação dos honorários contratuais com os de sucumbência; mas essa previsão, se houver, dependerá do ajuste particular, não da natureza jurídica do instituto. A conduta que uma vez já foi tida como antiética tornou-se a regra geral de conduta esperada pela lei, demonstrado a adaptação da norma escrita à realidade social.

Enquanto se entendia os honorários como crédito da parte, eles eram tomados como uma condenação acessória, com destino irremediavelmente ligado ao da condenação principal (art. 92 do Código Civil). Passando a entendê-los como direito autônomo dos advogados, é necessário repensar seu papel dentro do processo. Não mais os honorários são uma parcela da condenação simplesmente revertida em favor de terceiro. A sentença condenatória torna-se título executivo de (pelo menos) duas obrigações distintas – uma em favor da parte, outra em favor do advogado. Não há dúvidas de que são duas obrigações separadas, por figurarem como credores pessoas diferentes – quer dizer, há uma distinção dentro dos requisitos essenciais da relação obrigacional.

Com isso, os honorários perdem seu caráter de acessoriedade material em relação à condenação principal, objeto da sentença. Por evidente, a constituição desse crédito ainda é uma consequência lógico-processual do primeiro, pois ele surge justamente da vitória do causídico – assim, se o primeiro pedido for revertido em sede recursal ou em ação rescisória, por exemplo, é natural que se invertam também os ônus de sucumbência. Por isso, o capítulo que define os honorários advocatícios se enquadra no conceito de capítulo dependente, proposto por Cândigo Rangel Dinamarco[17]. Mas essa é simplesmente a condição processual para o deferimento do pedido de condenação em honorários, que não afeta a natureza jurídica desse crédito – melhor dizendo, a relação de dependência processual não lhe transforma em simples condenação materialmente acessória.

Assim, a partir do CPC de 2015 torna-se absolutamente inquestionável que a  sentença efetivamente constitui uma obrigação jurídica a mais, além daquela(s) que estava(m) em discussão no feito principal. Entender o contrário passa a ser interpretação contra legem. Disso surge o direito autônomo do advogado de executar a sentença, expedindo precatório em seu nome, bem como de defender seu crédito se ele for posto em discussão. Para tanto, pode o advogado recorrer da decisão em nome próprio[18], se o objeto do recurso for tão somente o capítulo que definiu os honorários e, na mesma situação, figurar como recorrido, apresentando contrarrazões. Na mesma linha, há consequências sobre a posição do advogado na ação rescisória, que é o objeto do item seguinte.

IV – Ação rescisória e honorários de sucumbência: o advogado como parte

Já há duas décadas a lei prescreve pertencerem ao advogado os honorários sucumbenciais. Mesmo assim, ainda persistem alguns hábitos argumentativos vindos de legislação anteriores. A posição do advogado na ação rescisória é exemplo disso. Enquanto titular de crédito acessório, condenação subsidiária à principal, alguns juízes e doutrinadores entenderam que o advogado não teria legitimidade para mover ação rescisória, nem deveria figurar como litisconsorte passivo. Esses entendimentos deverão ser radicalmente modificados pelo CPC de 2015.

Pode parecer óbvio, mas mesmo assim importante destacar: quando se fala em “advogado e ação rescisória”, a referência é ao advogado como parte habilitada a tutelar seu direito aos honorários estabelecidos na decisão que se procura rescindir. Esse mesmo advogado pode representar o mesmo cliente que representou no processo originário, mas esta atuação não é objeto deste artigo. E, é claro, não será demais lembrar que os advogados que atuarem na ação rescisória, defendendo seus clientes, terão um crédito autônomo de honorários de sucumbência definido em seu favor[19].

Legitimidade ativa

Se o advogado é o dono dos honorários, é indiscutivelmente dele a legitimidade para propor ação rescisória que apenas os discuta, se tiverem sido arbitrados em decisão com algum dos vícios que a lei coloca como requisito para a rescisão[20]. Evidente – é o patrimônio do próprio causídico que está em jogo. Aliás, por tratar-se de direito autônomo, o advogado é o único legitimado; não se cogita de ação rescisória proposta em nome do cliente para rescindir decisão que aborda direito que não é dele[21]. Destaque-se que as situações em que pode ser manejada a ação rescisória são aquelas em que a sentença abordou os honorários advocatícios, mas de forma incorreta; a discussão sobre a sentença omissa é um pouco diferente, e será abordada em separado mais adiante (item 4.3).

O advogado pode propor a ação rescisória mesmo que o feito original tenha sido extinto sem resolução de mérito. O capítulo da sentença que definiu honorários, inquestionavelmente, tem julgamento de mérito autônomo, por resultar numa ordem judicial de caráter condenatório, que surte efeitos no mundo real. E o CPC de 2015 remove qualquer dúvida nesse sentido, pois o § 3º de seu art. 966 esclarece que a ação rescisória pode ter objeto apenas um capítulo da decisão. A conjugação de todas as normas torna inquestionável a possibilidade do advogado figurar no polo ativo da rescisória para discutir honorários[22].

Historicamente, na perspectiva de honorários como reembolso, eram raras as discussões sobre a legitimidade para discutir honorários em rescisória; discutia-se, antes, se caberia a rescisória para discutir verba de caráter acessório; e mesmo quando se entendia cabível, não se cogitava figurar o advogado no polo ativo[23].

Nesse sentido o STJ manifestou-se por diversas vezes, entendendo pelo não cabimento da rescisória por ser a condenação em honorários “tão somente consectária à decisão de mérito” (STJ, 2ª Seção, AR n. 3542, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 14.04.10, p. em 26.04.10)[24]. A questão da titularidade dos honorários, via de regra, não é  enfrentada pelas decisões da Corte que rejeitam a rescisória (que via de regra é proposta sempre pela parte, não convidando discussões sobre legitimação do advogado); faz-se menção apenas à suposta subsidiariedade do capítulo dos honorários à condenação principal, que por isso não poderia ser enfrentado autonomamente pela via rescisória. Relevante julgado que aponta mudança de entendimento é o  REsp n. 1.217.321 (2ª Turma, Rel. originário Min. Herman Benjamin, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. em 18.10.12, p. em 18.03.13), decidido por maioria, em que se reconheceu a possibilidade de ação rescisória versar exclusivamente sobre honorários, mas vedando-lhe discutir o valor dos honorários (efetivamente impedindo o manejo da rescisória com o fundamento da “violação literal” dos art. 20, §§ 3º e 4º[25]). Nada se disse sobre a possibilidade do advogado figurar como autor, embora o reconhecimento da autonomia dos honorários seja um passo lógico nesse sentido. A decisão não é definitiva, pois há embargos de divergência pendentes de julgamento.

A restrição à discussão sobre os valores dos honorários é desarrazoada, pois estabelece requisito meramente formal: se o juiz simplesmente definir honorários, mesmo que incorretamente, a decisão não estará violando a “literalidade” da norma. Por mais que se preze pela excepcionalidade da ação rescisória, também não se deve esvaziar sua utilidade – que é exatamente o que acontece quando é permitido o manejo da rescisória para discutir honorários, mas vedada discussão sobre o valor da verba. Mais um exemplo do acerto do CPC de 2015 ao substituir a violação “literal da lei” pela violação “manifesta da norma jurídica”, vez que a nova redação, mais ampla, certamente abarca também a possibilidade de discutir a adequação dos valores de honorários definidos pelo juiz originário. Da mesma forma será bem-vinda a previsibilidade trazida pelo sistema de precedentes judiciais, que trará parâmetros mais seguros para averiguar se o juiz firmou corretamente os honorários em casos semelhantes (considerando, por óbvio, as peculiaridades de cada caso concreto).

Legitimidade passiva

Partindo das mesmas premissas adotadas para a conclusão anterior, é inevitável que se chegue a resultado semelhante: o advogado tem legitimidade passiva para defender seu direito aos honorários de sucumbência em ação rescisória. Mais do que isso: como o interesse sobre essa verba é exclusivamente do advogado, ele é litisconsorte necessário[26], significando que a ausência de citação implica a nulidade do feito. E isso acontece mesmo que os honorários não sejam objeto direto do feito rescisório, pois eventual reversão da decisão de mérito implicará a reversão dos ônus da sucumbência, afetando diretamente o patrimônio do profissional – ou seja, seu interesse não é meramente reflexo[27].

Novamente, isso é consequência do reconhecimento do crédito autônomo do advogado. Os defensores da posição contrária, nas palavras da desembargadora Rosita Falcão Maia, do TJBA, partem da “condição secundária dos honorários, em face do direito primário”[28], que resultaria numa desnecessidade da defesa de mérito autônoma desta verba. A desembargadora vai além, afirmando que, mesmo que se aceitasse a condição do advogado de litisconsorte passivo necessário, sua citação seria desnecessária se a parte fosse representada pelo mesmo causídico na ação originária e na rescisória. O advogado, ao defender a parte, já teria ciência inequívoca da lide e legitimidade para dela participar.

Todas essas premissas caem por terra diante do esclarecimento do CPC de 2015, de que os honorários definitivamente pertencem ao advogado e tão somente ao advogado. Independentemente de o credor dos honorários da ação originária ser novamente procurador da parte na rescisória, é certo que deve se reconhecer seu direito autônomo aos honorários ea necessidade de sua citação autônoma para o adequado exercício do contraditório, sob pena de nulidade de toda a demanda – não é difícil vislumbrar os problemas operacionais advindos da posição contrária, o mais óbvio deles sendo a impossibilidade de identificar o marco inicial do prazo para contestar.

Curiosamente, o STJ é muito menos hesitante em reconhecer a legitimidade passiva do advogado na rescisória, como litisconsorte necessário, do que sua legitimidade ativa, como demonstrado no item anterior. Tome-se como exemplo o AgRg na AR n. 3.290/SP, (1ª Seção, rel. Min. Castro Meira, j. em 25.05.11, p. em 02.06.11), onde foi reconhecida a obrigatoriedade da participação dos advogados no feito rescisório, mesmo quando seu objeto é tão somente a relação entre as partes, sem abordar diretamente os honorários. Como dito, esta verba é consequência lógico-processual da primeira; assim, eventual julgamento de procedência da rescisória poderá resultar numa redução patrimonial do advogado. Nesse caso, o STJ reconheceu a necessidade de que o advogado participe da lide na condição de parte, não de terceiro (no caso, o advogado buscava reforma da decisão que havia determinado seu ingresso na lide na condição de assistente simples): “fere os postulados básicos do devido processo legal permitir que o acórdão rescindendo seja desconstituído, e sustado o precatório que inclui os honorários advocatícios, sem franquear aos advogados, titulares de direito autônomo sobre essa verba, a possibilidade de contraditar a pretensão externada na ação rescisória”.

Demonstrada a legitimidade passiva do advogado, resta perquirir quais as consequências de um possível julgamento de procedência da ação rescisória, onde a nova decisão reconhece que o advogado não tinha direito aos honorários no feito de origem. A derrota na rescisória implicaria o dever de restituir os honorários obtidos na ação originária se eles já forma pagos? A questão é delicada. Por um lado, não seria adequado desprivilegiar a parte que se sagrou vitoriosa depois de longa lide rescisória. Mas, de outra forma, também não parece justo forçar o advogado a devolver, acrescidos de correção monetária, os honorários que recebeu de boa-fé pelo seu trabalho na lide originária, potencialmente anos depois, a depender de quanto se arrastou a rescisória. A resposta reside na natureza alimentar dos honorários advocatícios, já pacificamente aceita no direito atual e positivada pelo art. 85, §14, do CPC de 2015. Enquanto alimentos, verba remuneratória do trabalho recebida pelo profissional de boa-fé, os honorários são irrepetíveis por natureza, mesmo que o título que baseou sua execução venha a ser rescindido. Evidente que o advogado perde o direito de executar os honorários que ainda não tenham sido pagos, mas não será adequado obrigá-lo a restituir os que já foram.

A decisão que se omite quanto aos honorários

Por último, resta analisar a posição do advogado diante da sentença transitada em julgado sem nada dizer sobre os honorários. Pontes de Miranda defendia que caberia ação rescisória para desconstitui-la ressaltando expressamente que não havia ação autônoma para arbitrar os honorários no caso[29]; evidentemente, é a posição mais adequada na perspectiva dessa verba como direito da parte. Entendendo-se, por outro lado, que os honorários pertencem ao advogado, modifica-se a premissa fundamental.

Isso porque a decisão omissa, nesse caso, nada disse sobre a relação jurídica tida entre o vencido e o patrono do vencedor, e o dispositivo nada resolveu sobre isso. Não há, assim, coisa julgada sobre o ponto (art. 489 do CPC de 2015, equivalente ao art. 458 do CPC de 1973), pelo que não se faz adequado o manejo da ação rescisória pela falta de interesse processual em desconstituir um título que não existe[30]. Indispensável propor ação autônoma, de cunho condenatório, para que sejam arbitrados os honorários dentro dos critérios definido pelo CPC. Por isso, muito elogiável a coerência do CPC de 2015, cujo art. 85, § 18, previu expressamente  essa ação autônoma de “arbitramento e cobrança” de honorários no caso da sentença omissa, mais uma vez eliminando a dúvida que persistia.

V – Considerações finais

A legitimidade para ser parte na ação rescisória é indissociável do interesse jurídico na sentença rescindenda. Se a lei define com absoluta clareza que os honorários de sucumbência pertencem exclusivamente ao advogado, com natureza alimentar e função remuneratória (ao invés de representar um reembolso dos gastos que a parte vencedora teve com seu advogado, como se entendia), é consequência inevitável aceitar que o capítulo de sentença que define esta verba é autônomo, materialmente desligado do capítulo dito principal, mesmo que seja dele dependente do ponto de vista processual. Por consequência, o advogado é a parte legitimada para discutir este crédito autônomo, sobre o qual tem interesse jurídico exclusivo.

Assim, é incontroverso que o advogado poderá propor ação rescisória para desconstituir decisão que definiu honorários fora dos padrões legais, inclusive na hipótese de arbitramento incorreto do valor, e mesmo que o feito tenha sido julgado sem resolução de mérito. No caso em que a decisão se omite quanto aos honorários, o CPC de 2015 prevê uma ação específica para o arbitramento da verba, que não se confunde com a rescisória.

Pelos mesmos motivos, o advogado é litisconsorte passivo necessário na ação rescisória que visa desconstituir a decisão, independentemente dela versar exclusivamente sobre honorários ou sobre o mérito da causa propriamente dito, pois em qualquer caso o direito patrimonial do advogado estará em risco. Por isso, é necessário que haja a citação do advogado na ação rescisória, em separado de seu cliente, para que possa exercer também a defesa de seus próprios interesses.

Todas essas conclusões já eram possíveis no regime anterior dos honorários advocatícios, pois pelo menos desde 1994, quando entrou em vigor o atual Estatuto da Advocacia, a legislação é clara sobre a titularidade da verba; mesmo assim, a questão ainda gera muita perplexidade na prática. A clareza do CPC de 2015 em relação a essa matéria, quer-se crer, servirá para apagar de vez as últimas dúvidas.

 VI – Referências bibliográficas

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[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado da ação rescisória. Campinas: Bookseller, 1998. p. 136.

[2] NERY JR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 11ª ed. p. 81.

[3] Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando (…) V- violar literal disposição de lei.

[4] PORTO, Sérgio Gilberto. Ação rescisória atípica: instrumento de defesa da ordem jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. pp. 217-225.

[5] Art. 966. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando (…) V- violar manifestamente norma jurídica.

[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2014. v. 2. 23ª ed. pp. 27-28.

[7] CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 4ª ed. p. 388.

[8] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários advocatícios no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 119.

[9] NEPOMUCENO, Paulo Polly. A integral reparação do dano: custas, honorários, correção monetária. Rio de Janeiro: Rio, 1972. p. 51.

[10] NEPOMUCENO, op. cit., p. 54.

[11] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 1. pp. 391-392.

[12] MIRANDA, op. cit., p. 398.

[13] CAHALI, op. cit., pp. 358-359.

[14] CAHALI, op. cit., p. 357.

[15] CAHALI, op. cit., p. 361.

[16] BUENO, Casso Scarpinella. A natureza alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais. Disp. em http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Honor%C3%A1rios%20advocat%C3%ADcios%20_n‌tureza%20alimentar_.pdf. Acesso em 25.02.15.

[17] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 46.

[18] CAHALI, op. cit., p. 421.

[19] LOPES, op. cit. pp. 223-224.

[20] GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Implicações da ação rescisória no capítulo de sentença em que fixados os honorários de sucumbência. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo , v.74, nov./2011. p. 23.

[21] LOPES, op. cit., p. 262.

[22] Recorde-se que este artigo adota como premissa que a certeza sobre a titularidade dos honorários ser do advogado existe no mínimo desde o Estatuto da Advocacia de 1994. Por isso o CPC de 2015 não representa uma mudança, apenas esclarece possibilidade que já existia anteriormente.

[23] YUSSEF, op. cit., p. 363.

[24] Nesse mesmo sentido: 3ª Turma, AgRg no REsp n. 1.229.290, rel. Min. Massami Uyeda, p. em 2.8.12; 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag n. 836.488, rel. Min. Luis Felipe Salomão, p. em 24.8.11; 2ª Turma, REsp n. 489.073, rel. Min. Humberto Martins, p. em 20.03.07. Todos esses julgados foram citados pelo Min. Herman Benjamin em voto vencido proferido no REsp n. 1.217.321 como exemplos de precedentes contrários ao cabimento da rescisória.

[25] Ou, traduzindo para a linguagem do CPC de 2015: “impedindo o manejo da rescisória com o fundamento da “violação manifesta” do art. 85, §§ 2º a 9º”.

[26] SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. Advogado credor de honorários na sentença e ação rescisória. Revista da OAB. Brasília: Conselho Federal da OAB, v.66, jan./1998. p. 85.

[27] FIGUEIREDO, op. cit., p. 30.

[28] MAIA, Rosita Falcão de Almeida. Processo civil – o princípio da solidariedade social e o dever de lealdade e boa-fé – ilegitimidade passiva dos advogados na ação rescisória – o advogado não tem legitimidade para discutir verba rescisória como direito autônomo na ação rescisória com dimensão superior ao próprio direito da parte. Revista Ciência Jurídica, Belo Horizonte, v. 145, jan./2009. pp. 173.

[29] MIRANDA, Comentários…, p. 398.

[30] FIGUEIREDO, op. cit., p. 24-25.

2 Replies to “O advogado como parte na ação rescisória que discute honorários sucumbenciais: reflexos do CPC de 2015”

  1. No assunto acima em comento, causa espécie a possibilidade de um advogado executar seus honorários havidos por força de uma sucumbência, isso nos mesmos autos da ação original, mas em nome da parte que representou.
    Ora, a parte pode ser hipossuficiente, mas ele não o é, presume-se.
    Não se submete assim às custas ou qualquer medida punitiva, se por exemplo, executa em excesso.
    Se a fixação dos honorários for objeto de uma ação rescisória, contra quem tal ação seria dirigida? Contra a parte e nunca contra o advogado.
    Somente seria parte na rescisória se o relator aceita-se a tese de um litisconsórcio necessário. Seria essa a solução para trazê-lo à lide?

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