Por Eduardo de Mello e Souza, Advogado e Professor da UFSC.
I – Análise do Problema;
Desde o início deste séc. XX, é indiscutível o enorme avanço empreendido pelo homem no campo societário, visto que a personalização jurídica propiciou a formação de entidades independentes e de alcance indiscriminado.
Ironicamente, se, por um lado, a conformação societária resultou em brilhante criação jurídica rumo à satisfação do indesviável interesse humano em manter-se gregário, por outro, tal convívio societário demonstra-se impossível sem a mesma e profunda regulação jurídica.
Tal fato se revela em todos os níveis da formação societária, seja no âmbito da micro-empresa, seja nas holdings de conglomerados econômicos, ou mesmo no meio interno à sociedade, ou, ainda, no externo.
E é justamente neste último ponto que surge enorme defasagem entre a realidade jurídica e a realidade econômica. Hoje, empresas adquiriram dimensão suficiente para reduzir a concorrência e manter o mercado em estado de mono ou, pelo menos, oligopólio. E, neste campo, seus desdobramentos societários, bem como os riscos do empreendimento, não podem ser suportados por uma única entidade, por maior que seja.
Resultam deste fato as contratações tecnológicas e de representação, onde uma sociedade detentora de determinado produto estabelece relação comercial de tal forma estreita que chega a lhe ditar a forma e o campo do empreendimento alheio.
Como se verá em seguida, trata-se dos casos de concessão de tecnologia (no campo da informática, por exemplo), marca (veículos automotores), sinal de transmissão e padrão técnico de recepção (rádio e televisão) e de serviços (know-how).
E é justamente sobre este relacionamento intersocietário que se escreverá nos próprios capítulos, sob a referência do Direito Econômico.
II – Hermenêutica Contratual;
Em primeiro lugar, há que se analisar o fato de que subsiste, nas relações societárias acima exemplificadas, o devido instrumento regulador: v.g. o contrato de afiliação, no caso da transmissão de sinais de televisão. Neste caso, como nos demais, subsiste a imposição dos seus termos, como se verá, mais detalhadamente em seguida, nos moldes de um contrato de adesão.
Muitas vezes (com freqüência indesejável) a letra do contrato não representa o real comportamento das partes, e, em se tratando de interesses econômicos gigantescos, subsiste um interesse do Estado na prevalência do fato sobre a norma contratual.
De fato, não se trata de pensamento novo. São Paulo Apóstolo já pregava em suas encíclicas que a letra mata e o espírito vivifica (1), pretendendo que a intenção prevalecesse sobre o escrito.
Assim, mais que qualquer estipulação contratual, mais que palavras, protestos, ou escrituras, é o comportamento das partes que revela o que entre elas ficou ajustado. Observar-lhes a conduta é o mais seguro meio de lhes aferir a vontade, pois, não importam os escritos, a atitude dos contratantes, quando harmônico seu modo de agir, lhes traduz, fielmente o querer.
Daí a regra interpretativa do art. 85 do Código Civil dispor que “nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. Justifica-se, assim, o extremo valor que civilistas e comercialistas atribuem às práticas dos contratantes, quando querem consultar-lhes os reais propósitos, como se vê, aliás, nessa significativa lição de FÁBIO KONDER COMPARATO (2): “É nessa perspectiva que se pode apreender o verdadeiro sentido da regra do art. 85 do Código Civil Brasileiro, cuja formulação remonta a uma sentença de Papiniano (In conventionibus contrahentium voluntatem potuis quam verba spectari placuit, D. 50, 16, 219), reintroduzida no direito moderno por obra de Pothier e consagrada no Código de Napoleão (art. 1.156). Ao dizer a lei que ‘nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem’, não tomou partido, absolutamente, na querela doutrinária entre a teoria da vontade e a da declaração, segundo pareceu a juristas pedantes (como se o velho Papiniano apresentasse a mesma conformação mental dos pandectistas germânicos do século XIX!). O que se quis, a toda evidência, foi guiar o intérprete para uma interpretação concreta do negócio, fugindo a uma leitura abstrata do texto convencional. O que importa não é a denominação que as partes tenham dado ao seu acordo geral ou aos pontos específicos desse acordo, mas o efetivo sentido do negócio.
Ora, esse sentido concreto do acordo contratual deve ser aferido numa interpretação compreensiva, que ultrapassa o texto escrito ou o teor momentâneo da declaração das partes, para abarcar, também e principalmente, o seu real comportamento, antes e depois da conclusão do negócio. Objeto da interpretação dos contratos, é esse comportamento efetivo das partes, revelador de um acordo básico, do qual a declaração textual é mera tradução, nem sempre completa e fidedigna. Daí porque, como se declara em nosso Código Comercial, ‘o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiveram no ato da celebração do mesmo contrato’ (art. 131, III). O Código não diz se esse comportamento ulterior das partes é uma das explicações, tão valiosa quanto as outras possíveis, mas que é a melhor explicação.
Tal regra, assim enunciada pioneiramente entre nós em 1850 (e a redação do Código de Comércio data de 1832, como sabido) é hoje universalmente reconhecida, tanto nos direito da família romano-germânica quanto nos sistemas de common law. Como foi declarado num leading case norte-americano, ‘it is quite universal holding that, where the interpretation of a contract is fairly debatable, the court will adopt the pratical construction which the parties to the contract have hereto fore adopted, whether by conduct or otherwise (cit. por Grover C. Grismore, Principles of the Law of Contracts, ed. Revista, The Bobbs-Merril Company Inc. 1965, § 103, nota 62, com ampla indicação de precedentes jurisprudenciais”.
A doutrina de GIORGI (3) e a de J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (4) sufragam o mesmo entendimento, tanto quanto o magistério de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, segundo o qual “… a melhor interpretação de um contrato é a conduta das partes, o modo pelo qual elas o vinham executando anteriormente, de comum acordo; a observância do negócio jurídico é um dos melhores meios demonstrativos da interpretação autêntica da vontade das partes; serve de guia indefectível para a solução da dúvida levantada por qualquer delas…” (5).
Fala alto, em prol desse método sensato, lógico, de interpretação das relações contratuais, o expressivo acórdão da e. 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, no RE 78.946: “Viola o disposto no art. 85 do Código Civil interpretação que leva em consideração, exclusivamente, a letra de cláusula contratual, abstraindo completamente das circunstâncias em que se firmou o contrato, do seu contexto como um todo, do fim econômico a que ele visava” (6).
III – Cláusula de Rescisão Unilateral;
Ocorre que, mesmo diante do acima exposto, é comum encontrar-se em contratos intersocietários como os exemplificados no pórtico deste trabalho, cláusulas outorgando o poder de rescisão unilateral do contrato, independentemente da incidência da vontade da outra parte.
O desequilíbrio é evidente: duas partes contratam uma parceria comercial onde uma cede marca, serviços ou tecnologia e a outra investe, se expande, conquista mercados. Num dado momento, por capricho ou interesses comerciais escusos e pessoais, rescinde-se o contrato, sufocando deliberadamente a parte contratante.
É, portanto, de tonitruante evidência que a natureza especialíssima do relacionamento – caracterizado pela dominação de uma das partes sobre a outra, pela dependência de uma à outra – proíbe a rescisão imediata do contrato porque ilegal, injusta, imoral, iníqua, principalmente porque acarreta, à toda vista, o sufocamento da empresa dependente, que fica sem condições de sobreviver porque não pode, de uma hora para outra, ajustar-se a uma nova e inesperada realidade.
A irrescindibilidade dos contratos geradores de vínculo de subordinação e dependência, não fosse preceito de ordem lógica, de adoção imposta por elementares regras de direito mercantil – dentre elas, a da preservação da empresa, criada para viver e se expandir; não para ser aniquilada pela vontade caprichosa de uma outra – é princípio adotado, largamente, pelo direito positivo brasileiro.
O sistema jurídico nacional, como o de todas as nações civilizadas, admite, expressamente, a existência de relações contratuais, cuja resolução só pode se dar por justa causa, seja o contrato por prazo determinado, seja indeterminado. O contrato de trabalho, a locação, o contrato de seguro, o contrato de concessão para revenda de veículos são, como já se disse, alguns dos exemplos dessa realidade e exceções aos obsoletos princípios clássicos da autonomia da vontade e da liberdade de contratar – liberdade da qual resulta a opção de não renovar o contrato depois de expirado o prazo, ou de rompê-lo a qualquer tempo, quando o prazo indeterminado – que vêm sofrendo restrições cada vez maiores, ampliada, cada vez com maior intensidade, notórios os interesses sociais em jogo, a intervenção do Estado nas relações contratuais.
Se o contrato de trabalho e o de locação residencial (por envolverem matérias de evidente interesse público, em seu sentido mais imediato e tradicional), não constituem modelos perfeitos para a comparação com os contratos de interesse privado mais relevante (indústria e comércio), onde o Estado não alcança, em tese, a vontade das partes, não se pode negar que o contrato de locação comercial, e, especialmente, o de concessão de revenda de veículos automotores, configuram relações estritamente mercantis, em tudo e por tudo de natureza idêntica ao contrato de afiliação, ora sob análise.
Destacam-se, em todas essas relações contratuais, a magnitude dos investimentos da parte serviente, com a aquisição de equipamentos, e construção de instalações adequadas, o treinamento e a contratação de pessoal especializado; a exploração do mercado, em sistema de oligopólio e a conseqüente impossibilidade prática de substituição satisfatória do parceiro; a permanente vigilância da parte dominante, que tudo decide, fiscaliza, impõe e determina, quanto à política de preços, seleção de matérias e tudo mais, além de outras notas típicas, que convencem da existência de um negócio que não pode ser atirado na vala comum e impõe tratamento especial e diferenciado.
IV. Os Contratos Standard;
Duas características revelam-se bastante nítidas, v.g., no relacionamento contratual de afiliação, a par dos vínculos de dependência e subordinação dela decorrentes: a) as normas implícitas ao contrato são fixadas unilateralmente; e b) o conteúdo do pacto é idêntico ao dos demais firmados entre o proponente e as outras afiliadas nos diversos mercados de um país.
O primeiro aspecto é facilmente demonstrado pela imposição de contrato pronto, por vezes redigido em papel timbrado da parte servidora, por prazos curtos e com monótona reiteração de textos, a cada vencimento, com pouca ou nenhuma modificação entre o instrumento revogador e o revogado.
Não há, pois, qualquer participação da parte serviente no que concerne à determinação da substância do contrato, limitando-se a aceitar o esquema traçado pela proponente: os direitos e obrigações são prescritos, única e exclusivamente por esta última, em típico contrato de adesão.
No que tange ao segundo aspecto, é importante salientar que as regras que disciplinam o relacionamento entre as partes, normalmente são idênticas às dos outros contratos de afiliação, celebrados pelo proponente, nos demais pontos geográficos de sua dominação. São estabelecidas de acordo com a conveniência de uniformizar, padronizar os vínculos que ligam, v.g. a Indústria dominante à sua extensa rede de representantes afiliadas. Para tal empresa, é evidentemente mais cômodo firmar contratos iguais (ou, pelo menos, assemelhados em seus aspectos essenciais) do que contratos diferenciados, propondo, para cada uma das afiliadas, um tipo diverso daquele oferecido à outra. As peculiaridades que, por ventura, apresentam as empresas que a ela pretendam se associar são absolutamente desprezadas: ou elas se encaixam ao esquema previamente determinado, aceitando, em sua integralidade, as cláusulas pré-fixadas, ou simplesmente não poderão ingressar no Sistema.
A padronização das relações contratuais que a une às afiliadas resulta da necessidade, para o policitante (que é, sabidamente, empresa que, no exercício de suas múltiplas atividades, se vê naturalmente forçada a contratar com terceiros), de controlar satisfatoriamente seu próprio desempenho no mundo dos negócios. Como já se disse, revela-se de maior comodidade, por razões óbvias, que cada uma daquelas atividades – naturalmente complexas – se submeta a uma única disciplina jurídica.
O fenômeno – que é de fácil constatação em todos os ramos da atividade negocial nos quais uma empresa mantenha, com número elevado ou indeterminado de pessoas, relação obrigacional da mesma espécie – tem sido largamente estudado pela doutrina italiana, que a ele se tem referido como standarzzazione dei contratti ou contratazione standard, consistente:”… nell’ adozione di una especiale tecnica o procedura nella formazione del regolamento negociale: ossia, nell’ utilizzare elementi precostituiti – singole clausole, o persino interi schemi contratualli, piú o meno complessi e definiti -, in modo da uniformare, in tutto o in parte, la disciplina del rapporto contrattuale che si vuole concludere a quella di altri rapporti contrattuali, giá attuati o da attuare” (7).
Recorda MESSINEO (8) que a standardização corresponde precisamente, à tendência em se admitir que o conteúdo contratual possa ser fixado unilateralmente, rompendo a idéia tradicional de que este se manifesta como “prodotto dell’ attivitá di colaborazione delle parti”. Assim, fica suprimida (porque desnecessária) a fase de negociações preliminares (trattative, no direito italiano), submetendo-se o oblato, a quem não é dado discutir as cláusulas ditadas pelo proponente, “alla scelta fra la pronta adesione, o il pronto rifiuto”(9).
V. A Subordinação Contratual;
As cláusulas para cuja elaboração concorre apenas a vontade do proponente, que, no afã de uniformizar uma série de relações da mesma espécie, as impõe ao oblato, mereceram na legislação italiana o nome de “condizioni generali di contratto” (Código Civil, art. 1.340), assim definidas por MASSIMO BIANCA: “Le condizioni generali di contratto sono le clausole che un soggetto, il predisponente, utilizza per regolare uniformemente i suoi rapporti contrattuali” (10).
Tem-se observado, com pertinência, que tais cláusulas são tão mais freqüentes quanto maior se apresentar o desequilíbrio econômico entre as partes contratantes. Já se escreveu, a respeito, que, em virtude da escassa intervenção exercida pelo Estado no momento da formação dos contratos, “si possono manifestare quegli atti di predomino e, sovente, di vera e propria sopraffazione, tipici del fenomeno della contratazione standardizzata (specialmente nei raporti frapredisponente – impeditore e aderente – consumatre, o fra grande imprensa dominante e piccola o media imprensa in posizione ancillare), che costituiscono, a ben vedere, una naturale evoluzione nel processo spontaneo di distribuzione del potere conttratuale, quando questo viene di fatto a concentrarsi nelle mani di talumi operatori economici, secondo la dialética dei raporti di forza operanti sul piano sociale” (11).
Por que a imposição das condizioni generali se verifica, em regra, nas relações entre, de um lado, uma parte dotada de particular força contratual (expressão, evidentemente, de uma superioridade econômica), e, de outro, daquela que se cinge a aderir à proposta, a doutrina passou a empregar as expressões contraente forte e contraente debole para designar, respectivamente, o proponente e o oblato.
Leiam-se, acerca de tal qualificação, os ensinamentos de MESSINEO, segundo o qual: “… se vi ha rigidità della proposta, tale rigidità involge necessariamente la premessa di una ‘forza contrattuale’, della quale uno soltanto dei contraenti (il predisponente) é provisto, cosi da poter ‘dettare’ la clausola; mentre alla controparte – che non può sottrarsi alla su ricordata alternativa del ‘pendere o lasciare’e si vede preclusa la possibilità di modificazioni delle clausole predisposte – si attaglia la qualifica do contrente ‘debole’.” (12).
No relacionamento contratual entre as contratantes forte e debole, é forçoso reconhecer a disparidade econômica entre as partes, com base na aplicação do art. 85, do Código Civil acima analisado. Utilizando-se das expressões consagradas pela doutrina italiana, pode-se afirmar que a policitante – que impõe todo o esquema contratual – é a contratante forte, reservando ao oblato – que acede às condizioni generali, normas uniformes que disciplinam as relações entre a primeira e a totalidade de suas afiliadas – o papel de contratante fraca.
VI. A Realidade do Controle Externo no Direito Brasileiro;
A conclusão a que se chega, após as análises dos capítulos anteriores é a de que a afiliação a uma rede de vendas e serviços técnicos específicos, seguindo um padrão único e mediante a aquisição de equipamentos exclusivos, gera inequívoca relação societária entre os litigantes, caracterizada pelo chamado controle externo exercido por uma proponente forte a um oblato fraco.
Único jurista brasileiro a analisar o controle externo com profundidade, o Prof. FABIO KONDER COMPARATO ensina que “… o poder de controle de uma empresa sobre outra – elemento essencial do grupo de subordinação – consiste no direito de decidir, em última instância, a atividade empresarial de outrem. Normalmente, ele se funda na participação societária de capital, permitindo que o controlador se manifeste na assembléia geral ou reunião de sócios da empresa controlada. Mas pode também suceder que essa dominação empresarial se exerça ab extra, sem participação de capital de uma empresa em outra e sem o representante da empresa dominante tenha assento em algum órgão administrativo da empresa subordinada. É o fenômeno chamado controle externo.” (13).
Nem se fale que a figura do controle externo seria estranha ao direito brasileiro, dado seu estudo aprofundado pela doutrina européia, mormente a italiana, e os exemplos disso são claros. A Lei nº 7.232/84, distinguiu, com nitidez, o denominado controle tecnológico do controle de capital: aquele, forma de denominação ab extra; este, decorrente do exercício do direito de voto.
Lembre-se, também, que sequer os tribunais brasileiros têm renegado a existência de grupos de fato, dominados por uma empresa, independentemente da sua participação acionária nas demais ou de sua presença nas respectivas administrações. Salienta que a cláusula “sob a direção, controle ou administração de outra”, hoje inserida ao art. 2º, § 2º, da CLT, inclui, segundo a jurisprudência predominante, o controle decorrente da cláusula de exclusividade.
Em resumo: se o fenômeno do controle externo se manifesta com ofuscante clareza, e é reconhecido na legislação e na jurisprudência; se a lei nº 6.404/76 reprime as manifestações de abuso do controlador interno (arts. 116 e 117); se a injustificada “liquidação de companhia próspera” constitui uma das modalidades de abusivo exercício do controle (art. 117, § 1º, b); como negar, no caso em tela, por aplicação analógica daqueles dispositivos, a ocorrência de abuso do controlador externo, consistente no desfazimento de um grupo econômico de subordinação, sem nenhuma razão de ordem econômica ou operacional, mas unicamente para a satisfação de interesses próprios do controlador na formação de outro agrupamento em substituição ao dissolvido.
VII. As Clausole Vessatorie;
Sendo inequívoco, portanto, a possibilidade concreta da incidência de desequilíbrio contratual entre empresas vinculadas por interesses comuns, mas de compensação desproporcional; e já tendo sido demonstrado que as normas do ajuste, tal como concebidas e levando-se em consideração a finalidade visada pelo policitante (padronizar seu relacionamento com os afiliados), se enquadram, com perfeição, no conceito de condizioni generali, torna-se importante analisar as condições contratuais padronizadamente oferecidas pelo policitante ao oblato.
Estipulações como a exemplificada linhas acima (poder unilateral de rescisão), têm sido classificadas como clausole vessatorie, clausole sleali, clausole abusive (numa tradução literal: cláusulas vexatórias, desleais ou abusivas), exatamente porque proporcionam a um dos contratantes situação contratual privilegiada, conferindo-lhe, em face do outro, uma vantagem excessiva. Ainda segundo MESSINEO (14), o adjetivo vessatorie se justifica por que “esse (as cláusulas) sono rivolte, di proposito, a rendere eccessivamente deteriore, la situazione della parte che sia assoggettata, urtando contro il principio generale di pariteticità fra le parti, che (…) è fra quelli che governano il contratto”.
Nem se argumente, em contrário, que, genericamente, subsiste a disposição jurídica que concede às partes contratantes a faculdade de resilir, não podendo, por tal motivo, merecer a qualificação de abusiva, até porque ninguém pode ser compelido a permanecer indefinidamente vinculado ao outrem. É fácil compreender que a invocação de contratos-padrão, produzidos unilateralmente por um policitante, só a este podem interessar, pois, na condição de contratante forte, nenhum prejuízo lhe tocará, com a dissolução do vínculo, sendo oportuno recordar que, em face do monopólio (ou oligopólio), tal empresa não tem qualquer dificuldade em se associar a novo parceiro.
A tal respeito, merece ser transcrita a justa observação de MASSIMO BIANCA: “Deve pure ritenersi che la vessatorie tà non sia esclusa dal fatto che eguale facoltà di recesso sia stabilita a favore dell’ aderente. Non solo, infatti, la aguaglianza delle situazione è più aparente che reale, ma cìo che più conta, si tratta pur sempre di una clausola che stablisce a favore del predisponente una faccolttà di recesso o di sospensione oltre la previsione legale.” (15).
VIII. A Intervenção Estatal;
O controle eficaz das cláusulas abusivas tem sido objeto de estudo de juristas estrangeiros, especialmente, na Itália, onde se tem proclamado, à vista das legislações de outros países (França, Alemanha, Suécia)(16), a necessidade de uma intervenção judicial positiva, devendo o Estado, e, dentro dele, o judiciário, não apenas negar a eficácia àquelas disposições, mas também ditar as cláusulas que lhe pareçam adequadas aos fins econômicos perseguidos pelos contratantes.É MAIORCA quem arremata tal raciocínio, asseverando que “… a queste forme di controllo giudiziale, ove il provvedimento del giudice produce, pur sempre, un mero effetto ‘negativo’, consistendo in una pura e semplice declaratoria di ‘inefficacia’ delle clausole vessatorie, teluni recenti sistemi normativi aggiungono (…) la possibilità di interventi ‘positivi’ del giudice in meritto al contenuto del contratto di serie. (…) il giudice non deve limitarsi ad escludere del contratto le clausole abusive, avendo il potere di riconstruire il regolemento contrattuale, in modo che sia raggiunto un armonico assetto degli interessi in giuoco tramite l’equo adattamento delle determinazioni contratualli al caso concreto.” (17).
Para BIANCA, a intervenção estatal se faz em nome do princípio constitucional da igualdade (entre nós insculpido no art. 5º, caput, da CF/88), pois “l’ordinamento non può rimaneri indifferente di fronte al fenomeno delle condizioni generali poichè l’incontrollato potere di manipolazione dei rapporti contrattualli non è casuale ed episodico, ma caratterizza ormai tutta l’attività imprenditori ale ed esprime una situazione di desigualinaza socio-economica”, sendo o controle substancial (isto é, relativo ao teor do contrato) indispensável “contro l’abusivo aggravamento della posizione del contraente debole” (18).
Exatamente para impedir o injustificável agravamento da situação de desequilíbrio, torna-se necessária a chamada intervenção judiciária positiva – nos moldes preconizados pela doutrina mais moderna e já adotada, como se registrou, no ordenamento jurídico das nações mais evoluídas – a fim de que se conceda ao contratante fraco meios para a sua subsistência.
Ajunte-se, demais de afrontar o princípio constitucional da igualdade, o desequilíbrio do sinalagma contratual arremete contra o princípio do livre exercício do comércio, insculpido no art. 170, caput, da CF/88, na medida em que tenta obstar à sobrevivência da saudável empresa, cuja mutilação a ordem jurídica proíbe, exatamente para preservá-la como importante fator de criação de empregos diretos e indiretos, de circulação de riquezas e de geração de tributos.
IX. Conclusão;
Resta, portanto, consignado que incide evidente interesse público na segurança econômica derivada da permanência das empresas. Não se discute sua liberdade de contratar, mas sim, a impossibilidade social de atitudes jurídicas que impliquem na deliberada extinção de núcleos empregadores e pagadores de impostos.
A intervenção estatal, neste ponto, será imprescindível. Em um primeiro momento, o Judiciário deverá atuar, suprindo o vácuo legislativo sobre o assunto e deliberando de forma praeter legem. Acompanhando a dinâmica jurisprudencial, será o Legislativo o interventor nas relações contratuais regulamentando tal contratação.
De qualquer maneira, já existe, dentro do arcabouço jurídico brasileiro, indicativos legais que podem ser utilizados, em perfeito entrosamento com a doutrina estrangeira, na estabilização das relações intersocietárias. Este trabalho, modestamente, indicou alguns deles.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Maximilano, Carlos: Hermenêutica e Aplicação do Direito. 15ª Ed., Forense, Rio de Janeiro, 1983, p. 183.
(2) Comparato, Fábio Konder: O Poder de Controle nas Sociedades Anônimas; 2ª Ed., Forense, Rio de Janeiro, p. 85.
(3) Giorgi, Giorgio: Teoria das Obrigações, Vol. IV, Edição Espanhola, Madrid, 1930, p. 186.
(4) Carvalho de Mendonça, J. X.: Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Vol. 6, forense, Rio de Janeiro, 2ª Parte, pp. 212 e 213.
(5) Monteiro, Washington de Barros: Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações, 2ª Parte, 8ª Ed., Sraiva, São Paulo, 1972, p. 39.
(6) STF, 2ª T., RE nº 78.946, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Revista dos Tribunais, Vol. 518, p. 229 e segs.
(7) Maiorca, Sergio: Contratti Standard, in Novíssimo Digesto Italiano, appendice, vol. II, UTET, 1981, p. 617.
(8) Messineo, Enrico: Il contratto in genere, Trattado di dirito civile e comerciale, vol. XXI, t. I, Dott A. Giuffré Editore, Milão, 1973, p. 417.
(9) op. cit., p. 418.
(10) Bianca, Massimo: Diritto Civile, t. III, Il Contratto, Dott. A. Giuffré Editore, Milão, 1984, p. 340.
(11) Maiorca, Sergio, op. Cit., loc. Cit., p. 648.
(12) Messineo, Enrico: Op. Cit., p. 477.
(13) Comparato, Fabio Konder: Estudos E Pareceres de Direito Empresarial; 3ª Série, Forense, Rio de Janeiro, p. 95.
(14) Messineo, Enrico: Op. Cit., p. 465.
(15) Bianca, Massimo: Op. Cit., p. 365.
(16) Maiorca, Sergio: Op. Cit., p. 661.
(17) Maiorca, Sergio: Op. Cit., p. 663.(18) Bianca, Massimo: Op. Cit. p. 370.